quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guia Introdutório ao Budismo


Guia Introdutório ao Budismo

Por

Davi Coêlho

É minha intenção com este pequeno guia apenas sanar algumas dúvidas e instigar o desejo dos leitores a quererem, assim espero, descobrir mais a respeito da riqueza desta maravilhosa religião, filosofia e modo de vida.

Perguntas e Respostas

    1)      Qual o ensinamento do Buda? O que ele pregava?

– Duas coisas apenas, a causa do sofrimento e como trazer um fim definitivo a este.    

    2)      Qual é a origem do sofrimento e o fim deste?

– O Buda nos responde isso detalhadamente em seu ensino da origem dependente (paticca-samuppada). Mas em suma, o sofrimento surge por causa do desejo ou cobiça (e seu irmão mais próximo, o apego), instigado pela ignorância, e acaba quando a ignorância (e assim, por consequência, o desejo), é eliminada da mente.

    3)      Qual o objetivo da meditação?

 – O objetivo da meditação no Budismo é purificar a mente e fazer com que esta enxergue as três marcas da realidade – impermanência, insatisfação, e impessoalidade, cortando assim, a causa raiz do sofrimento – a ignorância. 

    4)      Quais são os tipos de meditação praticados?

– Primeiramente, o termo Pali para meditação é bhavana, que significa cultivo, desenvolvimento. Estamos assim, desenvolvendo nossa mente para que ela atinja um estado de maturidade. Há dois tipos de meditação que, quando cultivadas, assim como duas rodas de uma carroça a faz andar quando puxada, levam a mente do meditador ao estado de realização e felicidade suprema – Nibbana. Os dois tipos são meditação de tranquilidade (samatha) e meditação de insight (vipassana). Para quem não está familiarizado com a palavra inglês insight, é um termo que designa uma espécie de “grande sacada”, quando tudo fica claro pra você num dado instante, um “momento eureca”. A palavra insight pode não ser a melhor para traduzir a palavra vipassana, mas se aproxima do seu significado o suficiente. Usamos a meditação de tranquilidade para treinar a mente a atingir profundos estados de concentração, e quando a mente está concentrada, ela adquire força. Estando forte e saudável, esta concentração é então usada (na meditação de insight) para enxergarmos as três marcas da realidade com clareza.

    5)      O Budismo é uma religião pessimista?

– De forma alguma. É preferível usar o termo “realista”. O fato de o Buda falar tanto a respeito do sofrimento em seus ensinamentos não faz dele um pessimista, muito pelo contrário, ele em todos os sentidos mostrou sua compaixão para com todos os seres quando expôs seus ensinamentos para mostrar que todos têm o potencial de transcender este estado existencial condicionado e atingir definitivamente a felicidade suprema.

   6)      O que é Nibbana?

– Nibbana é uma palavra Pali (a língua falada na região onde o Buda habitava, irmã do Sânscrito), que significa cessação, extinguir. Nibbana é a felicidade suprema porque é o fim de todo sofrimento, uma vez que significa a cessação das grandes três máculas mentais que aprisionam os seres nos ciclos de renascimentos – a ganância, aversão, e a ilusão. É também a cessação final dos cinco agregados que dão origem às diversas existências, pois Nibbana também é a compreensão de que estes são impermanentes, insatisfatórios e impessoais, e por isso, não devem ser apegados. Entre outros títulos que o Buda usava para descrever Nibbana, são: o Imortal, o Elemento Incondicional, Aquilo que Não é Fabricado, Aquilo que Não Morre, O Não-Manifesto, Paz. 

    7)      O que são Cinco Agregados?

Khandha é a palavra usada pelo Buda, que significa uma pilha, um amontoado, um conjunto, um agrupado, de qualquer coisa que seja. O Buda usou essa palavra comum do seu dialeto e conferiu a ela um novo significado ao usá-la para descrever os cinco “amontoados” ou agregados que dão forma a um ‘ser’. Estes são:
      ·         Rupa – forma física, matéria, os grandes quatro elementos (terra, água, fogo e ar).
     ·         Vedana – sensação. Vale ressaltar aqui que esta palavra é usada para descrever dois tipos de sensação : interna e externa. Na filosofia budista, sensações externas são aquelas que sentimos com nosso corpo, como sendo prazerosa, neutra, ou desprazerosa. E também é usada para descrever o que chamaríamos de sentimentos, que são sensações internas, também experimentadas como prazerosas, neutras ou desprazerosas.
      ·      Sañña – percepção. É a faculdade discriminativa, que registra e atribui um nome ou conceito a objetos reconhecidos ou não.
     ·       Sankhara – formações mentais, atividade volitiva, intenção, vontade. Esta palavra, um pouquinho difícil de traduzir e entender, refere-se a disposições mentais, hábitos (mentais), criados pela atividade volitiva. Isto é chamado de “formações volitivas” por serem formadas pela volição e são o que dão origem a mais formações dessas, que resultam em renascimento após renascimento. O Buda usava também o termo “fermentações mentais”, para descrever a proliferação deste agregado na mente.
     ·      Viññana – consciência. Refere-se à faculdade de estar ciente, mais especificamente, à consciência sensorial – visão, audição, olfato, paladar, tato e intelecto (no Budismo, a habilidade da mente de ‘sentir’ ideias e cognizá-las é descrito como sendo um sexto sentido). 

 8)      O que é kamma?

   – Kamma (ou Karma em Sânscrito), significa, em seus termos mais amplos, ação. No Budismo, mais especificamente, significa as intenções por trás de uma ação, pois é a intenção que impulsiona a ação. Kamma está intimamente ligado com o agregado sankhara, pois é o produto deste. De acordo com o ensinamento budista, todo kamma gerado produz um fruto ou resultado (vipaka), por isso o Buda dizia:

   “Todos os fenômenos são precedidos pela mente, comandados pela mente, feitos pela mente. Se falas ou ages com uma mente pura, então a felicidade lhe segue, como uma sombra que nunca deixa seu lado.”

  -- Dhammapada v.2

    “Os seres são os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascem das suas ações, estão atados às suas ações, possuem as suas ações como refúgio. São as ações que distinguem os seres entre inferiores ou superiores.”

     -- M.N 135

     Kamma é produzido por três vias: através de ações mentais (pensamentos), ações verbais e ações corporais. Mas como toda ação nasce na mente, é gerada na mente, esta ganha um destaque especial no ensinamento budista. Todo budista procura pôr em prática os preceitos (virtude), praticar a generosidade, meditar, e estar sempre praticando ações meritórias, pois isso leva a produção de kamma positivo, que gera bons resultados tanto aqui como no futuro. Devemos assim, sempre procurar estarmos ciente em qual direção nossa mente está indo, porque é assim que o grau de infelicidade ou felicidade em nossas vidas é manifesto. 

    9)      O nome do seu blog é Na Luz do Dhamma. O que é Dhamma?

Dhamma é uma palavra de muitos significados. Mas usado desta forma, com a primeira letra capitalizada, significa os ensinamentos do Buda, como sendo a Lei Natural explicada por ele para pôr um fim à questão do sofrimento.


   10)       O Budismo é unificado ou tem divisões?

– Como toda religião, especialmente uma que se espalhou por tantas partes do mundo, sim, ele tem divisões. O Budismo é dividido em duas grandes tradições – a Theravada e a Mahayana. A tradição Theravada (que significa ‘Doutrina dos Anciãos’) é a mais antiga, que remonta diretamente aos primeiros sanghas (comunidades monásticas) que surgiram após o falecimento do Buda, e se espalhou por países como Tailândia, Camboja, Burma, Laos, Sri Lanka. Já a tradição Mahayana (que significa ‘O Grande Veículo’) surgiu alguns séculos depois, e espalhou-se por países como Tibete, China, Vietnam e Japão. Como o Brasil é um país que teve grande imigração de Japoneses e Chineses, a tradição Mahayana encontra-se bem consolidada em nosso país. Dentro dessas duas tradições, temos então o que são chamadas de ramificações, por exemplo, dentro da tradição Mahayana temos o Budismo Tibetano, Zen Budismo, Chán, etc. 

    11)      Budistas acreditam em Deus?

– Não. Basicamente, é esta a resposta. Não acreditamos em um Deus tal como compreendido pela maioria das pessoas que vêm de uma cultura judaico-cristã. Não acreditamos em um Deus todo-poderoso, criador de todo universo, pai de todos os seres, que é onipotente, etc., etc. Somente após a compreensão básica dos ensinamentos do Buda é que se torna claro para um indivíduo porque não acreditamos em um Deus criador. Já ouvi alguns monges, talvez bem-intencionados, hesitarem em querer dar uma resposta objetiva a esta pergunta e por isso ficam dando voltas em círculos quando deparados com esta pergunta. Mas o fato é que nos suttas (as escrituras), o Buda nunca fez menção à criação do universo por um ser como um Deus, ele negava isso claramente. Muito pelo contrário, essa ideia pode parecer esquisita para uma mentalidade Ocidental, mas de acordo com o Buda, o universo e os diversos mundos que nele existem surgem por causa da mente. É a mente quem dá origem a tudo. A mente de diversos seres querendo e desejando por experiência, por querer continuar o processo de vir-a-ser.

   12)   Ok, mas ainda não estou entendendo tudo.

– Que bom! Esta introdução não serve para explicar o Budismo em toda sua totalidade. Mas eu espero que pelo menos com estas perguntas respondidas, que você caro leitor, sinta-se instigado a querer procurar mais a respeito para melhor compreender como o Dhamma se articula e como cada ensinamento se conecta um com o outro para dar origem a consistência e totalidade do conhecimento adquirido pelo Buda quando, finalmente, ele compreendeu a verdade suprema de todas as coisas ao sentar-se debaixo da Árvore Bodhi para meditar há mais de dois mil e quinhentos anos atrás. Conhecimento este, que está disponível á inteligência de todos.

Em breve...

Estarei adicionado ainda nesta seção um pequeno glossário de termos Pali para ajudar a compreensão do leitor que poderá se deparar com eles ao pesquisarem os artigos aqui publicados. 

4 comentários:

  1. muito bom o texto parabéns, e obrigado novamente. Em relação ao budismo ser pessimista, eu de certa forma até entendo, aceito quando dizem isso, o problema é que talvez a palavra pessimismo tem uma conotação negativa, mas realmente talvez seja mais correto dizer que é realista, que é a verdade, e com certeza é benefico.
    Mas o Buddha realmente tinha uma visão negativa da vida, do mundo, do samsara, então quando se fala que o budismo é otimista é no sentido de apontar um meio de escapar da existencia, experiencia, vida, mundo, escapar do samsara, e nunca otimista no sentido de dizer que o mundo, a vida, as experiencias "são belos", devido a isso eu até meio que aceito quando falam que o budismo é pessimista.

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